Todo dia um novo 7 a 1, agora na democracia: limitação da participação social e censura

Vítor Sandes

18 de abril de 2019 | 15h59                                                                                                                                                                         

*Escrito em parceria com Olívia Perez, doutora em Ciência Política pela USP e professora adjunta da UFPI.

Dois fatos recentes abalaram nossa democracia: o decreto que prevê a limitação da participação social na administração pública federal e a ação do STF no sentido de censurar a liberdade de imprensa. Não por acaso a liberdade de expressão e a participação social são dois aspectos centrais da democracia. Elas permitem que os cidadãos e grupos (por meio de associações, movimentos sociais etc.) expressem suas preferências, visões e até mesmo demandem do poder público. Sem elas, não podemos afirmar que estamos sob um regime democrático.

A Constituição de 1988 determina a participação da população na formulação de políticas públicas (artigo 204, inciso II, que trata da Assistência Social, artigo 198, inciso III, da área da Saúde, dentre outras passagens da Carta Maior). Para concretizar os dispositivos Constitucionais, foram criados e reformulados no Brasil os Conselhos de Direitos. Nestes, membros da sociedade civil expressam demandas e contribuem para a formulação de políticas públicas. Tais instituições também funcionam como mecanismos de controle sobre as ações governamentais.

A despeito da centralidade da participação social na democracia, no dia 11 de abril o presidente da República, Jair Bolsonaro, assinou o decreto nº 9.759/2019 que prevê a extinção de vários Conselhos e de outros mecanismos de participação social (tais como comitês, comissões, fóruns etc.). O decreto presidencial pode extinguir ao menos 34 Conselhos, incluindo o Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp), o Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC), Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), Conselho Nacional de Direitos do Idoso (CNDI), Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) etc. Em resumo, esta medida impacta sobre todos os espaços destinados à interlocução do poder público com a sociedade.

Enquanto os brasileiros expressam sua insatisfação com o sistema político, em parte porque suas necessidades não são atendidas, os Conselhos e outras Instituições de Participação existem justamente para incluir as demandas da sociedade civil nas decisões governamentais. É uma forma de expandir a democracia, não a limitando ao voto. No entanto, na contramão da oxigenação da democracia, o governo Bolsonaro limita as possibilidades dos cidadãos externalizarem suas demandas, terem as mesmas atendidas e controlarem os governantes.

Na exposição de motivos que fundamenta o decreto, assinada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Ônix Lorenzoni, a justificativa é de que o decreto visaria “controlar a incrível proliferação de colegiados no âmbito da administração pública federal (…) por meio da extinção em massa de colegiados”. A exposição de motivos não traz dados sobre a ineficiência de tais colegiados, limitando-se somente à seguinte afirmação: “a situação do excesso de colegiados é tão grave que não se conseguiu realizar levantamento confiável sobre o total de colegiados existentes”. Sem os fundamentos sobre a falta de eficiência de tais colegiados, o documento continua “são necessária as duras medidas de racionalização administrativa que estão sendo agora submetidas a Vossa Excelência (o presidente)”.

No mesmo documento, o ministro afirma que há um “elevado número de normas produzidas (…) de modo atécnico”, “grande gasto de homem/hora de agentes públicas em constantes reuniões” e a existência de “grupos de pressão (…) que se utilizam de colegiados, com composição e modo de ação direcionado, para tentar emplacar pleitos”. Em nenhum dos três pontos levantados, há qualquer fundamentação. Por princípio, qualquer ação de racionalização de recursos demanda conhecimento em profundidade do problema. No entanto, em vez de realizar um trabalho técnico sobre o papel dos colegiados para entender seus limites, o governo federal optou por extingui-los com uma simples “canetada”.

Na mesma linha de limitar a democracia, na segunda-feira, 15 de abril, o STF, por meio de decisão do ministro Alexandre de Moraes, determinou a retirada de uma reportagem publicada na revista Crusoé e no site O Antagonista em que cita o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli. A medida monocrática carece de fundamentação constitucional e cerceia a liberdade de imprensa. O STF é responsável, em última instância, por salvaguardar a Constituição, ou seja, garantir as liberdades, incluindo a de imprensa e, consequentemente, de expressão. A censura é uma ação somente possível em termos não democráticos e quando esta vem da instituição responsável por garantir as liberdades, em última instância, sabemos que a democracia brasileira não vai nada bem.

É por isso que os dois casos são tão próximos. Enquanto uma decisão (a que prevê a extinção de colegiados, incluindo os Conselhos de Direitos) tem como objetivo a restrição da participação na administração pública federal; a outra (a decisão do STF de censurar a reportagem) sinaliza que nem toda posição, opinião e preferência devem ser emitidas.

Não há democracia que sobreviva à falta de participação social e de liberdade imprensa. Sem os dois, não podemos afirmar categoricamente que o Brasil ainda é democrático de fato.

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