Sendo direto como o governo nos “inspira”: tá ruim demais

    Humberto Dantas

    16 de abril de 2019 | 11h24                                                                                                                                                                                

    Na era da autopromoção insana, astrólogo vira filósofo autodidata, deixa de ser comunista (se é que algum brasileiro sabe lá o que é “ser comunista”), foge para os Estados Unidos, utiliza dez palavrões para conseguir alinhar cinco palavras, influencia a Presidência de uma República sem pisar nela e é citado como gênio pela linhagem direta daquele que para alguns é um enviado de Deus na Terra. Na era da autopromoção, um rei vai assumindo o papel de animador da corte empurrado por agentes de seu próprio DNA sem se incomodar muito em manter uma relação mínima com o parlamento. E a partir disso seus supostos líderes no Legislativo preferem aparecer para as respectivas torcidas, construídas num cenário débil de polarização aguçada, imaginando estarem sendo consagrados a partir de frases e posturas sombrias contra, até mesmo, aquele que deveriam seguir. Realmente, nos tempos atuais de selfie, post e like, as costuras partidárias, os acordos políticos e a capacidade de governar foram literalmente abandonados. Vai mal o país chamado Brasil.

    A partir disso, distorcemos toda e qualquer lógica conhecida no presidencialismo de (ou da) coalizão e, ao invés de garantir uma nova ordem, o que conseguimos é atingir o caos. Se Gustavo Bebianno era empregado do Planalto e pôde ser demitido quando tentava articular com empresários, congressistas e imprensa, o mesmo não ocorrerá com o vice-presidente da República, contra o qual um vice-líder do Planalto na Câmara promete pedir o impeachment. Tampouco e principalmente não ocorrerá com deputados federais e senadores do próprio PSL – o projeto de partido que sonha em governar o país. A desordem é absoluta, a ponto de seu líder achar mais engraçado levar um coldre para a CCJ da Câmara e se deixar fotografar aos risos com seus “coleguinhas de escola”, do que apaziguar o ambiente para aprovar uma agenda que sequer o mandatário maior do Brasil deseja e acredita, a despeito de ser seu autor. Assim, o vaidoso delegado-deputado afirma ao Estadão que é verdadeiro em sua relação com o presidente quando lhe mostra o óbvio: o Planalto não tem sequer 100 votos para aprovar a alteração na Previdência – a sorte do país é que o Congresso quer essa reforma, mas o que será da pauta do Executivo depois disso ninguém sabe, ou não tem coragem de perguntar. Verdadeira e inquestionável, de fato, é a vaidade do deputado federal Delegado Waldir, em foto de corpo inteiro no principal jornal do país. Você duvida que o parlamentar mande enquadrar a matéria-entrevista de quase uma página inteira de domingo?

    Pois bem: diante de tudo isso, o líder do partido do presidente afirma que Bolsonaro “criminalizou o parlamento”, e chama Rodrigo Maia de primeiro-ministro reforçando o argumento que temos tratado faz semanas no podcast desse blog. A desordem é tão severa que uma deputada federal do PSL aponta uso de mulheres como laranjas nas campanhas do partido em Minas Gerais e, de acordo com denúncia por ela apresentada, é jurada de morte pelo ministro do Turismo pertencente à mesma legenda. Perceba: estamos falando do partido pelo qual Bolsonaro se elegeu. E, assim, sequer precisamos falar de oposição para caracterizar o país enquanto a baderna reinar por aqui.

    Com base em tal barafunda, o que efetivamente ocorre no Brasil e que tipo de fracasso o presidente vai acumular em sua relação com o parlamento? Faz algumas semanas, estive em Brasília no dia em que o governo foi severamente derrotado no Congresso em duas votações seguidas. Até agora não ganhou NADA, e o máximo que fez em relação aos partidos foi conversar com seus presidentes, ato que deveria ter ocorrido em novembro do ano passado. Presidentes de legendas, quando deputados, e líderes de bancadas partidárias são agentes que NÃO agem da mesma forma no Congresso. Quem comanda é a liderança, e isso já mostrei em capítulo de livro da FGV e do Estadão em 2014. Assim, o governo está assombrosamente atrasado em suas negociações. E sequer parece crer na necessidade delas.

    Para completar, duas pesquisas sugerem que o clima político pode piorar. Em fevereiro, a empresa de investimentos XP mostrava que 12% dos deputados entrevistados indicavam que a relação da Câmara com o Executivo era ruim ou péssima, número que subiu para 55% entre o fim de março e o começo de abril, quando um total de 201 parlamentares foi ouvido. Divididos em dois grupos – de “oposição” e “demais deputados” – dois pontos mostram nitidamente o tamanho da cratera. Primeiramente, 44% dos “demais deputados” acham tal relação ruim ou péssima, e na oposição isso vai a 82% – algo esperado entre quem é contra o governo, mas trágico no “outro grupo”. E aqui está a segunda preocupação: a incapacidade de articulação é tão gigantesca que sequer existe um grupo chamado de “situação” pela pesquisa, mas sim de “demais deputados”. Isso preocupa porque no presidencialismo DA coalizão partidos da base governam juntos o país desde sempre – a preposição + artigo (DA) fica por conta da tese da cientista política Andréa Freitas que reforça o valor das legendas no controle da agenda executiva. Diante disso, o que faz o “experiente” ex-deputado eleito presidente? Vira as costas ao Congresso e o acusa de corrupção. Vai afundar.

    Sobretudo se a segunda pesquisa fizer algum sentido em termos de fortalecimento institucional. De acordo com o Datafolha, quando o atual Congresso Nacional é comparado com as formações iniciais de 2007 e 2015, a aprovação dos brasileiros à Casa sobe de 11% em 2015 para 22% em 2019 – o que ainda é muito pouco. Paradoxalmente, quem mais apoia o atual parlamento são evangélicos pentecostais, moradores do Sul do país, partidários do PSL e defensores do governo de Bolsonaro.

    Assim, ou não entenderam exatamente o que ocorre com o governo que, grosso modo, elegeram; ou se enxergam representados nominalmente por uma nova onda de políticos que chegou ao parlamento. Se a maré virar mais favoravelmente ao Congresso e o presidente, figura mais facilmente percebida pelo eleitor, perder ainda mais popularidade – o que de acordo com o Ibope ocorreu de forma intensa entre janeiro e março – o país enfrentará uma crise de governabilidade muito mais aguda do que a atual. Quando as medidas provisórias do governo começarem a caducar sem serem aprovadas e a agenda oficial ficar nua diante da sociedade, pouco adiantará Bolsonaro apelar para seus fiéis em discursos aventando traição. Será tarde, e por incrível que pareça ainda está fácil corrigir o rumo: basta apostar na articulação, negociar dentro de parâmetros mínimos que nada têm a ver com corrupção e trocar análises interplanetárias por algo terreno chamado POLÍTICA.

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