Supremo Legislativo: Um estranho no ninho

    Leon Victor de Queiroz

    13 de junho de 2019 | 17h07

    Estudar as instituições é importante, não apenas para determinarmos ambientes político e econômico estáveis, mas também para evitarmos impasses e paralisias decisórias. Montesquieu, o primeiro a elaborar a divisão dos três poderes, discorreu muito pouco sobre o papel do Poder Judiciário na arena política. Coube a James Madison, em 1787, caracterizar o Judiciário como instituição política e a Robert Dahl, em 1957, como policy maker. Uma corte decidindo questões políticas e elaborando políticas públicas não causa grande ruído no sistema de common law, onde o Judiciário pode inovar na ordem jurídica, ou seja, criar normas, direitos, políticas públicas pela via judicial.

    Em 1986-88, o legislador constituinte, ao elaborar o desenho institucional dos três poderes brasileiros, não observou que, ao copiar o modelo norte-americano de Suprema Corte como instituição política, poderia conflitar a atuação do STF com o sistema germano-romanístico da civil law, onde o Judiciário aplica a lei, sem criar direitos nem inovar na ordem jurídica.

    Faz sentido os juízes norte-americanos inovarem a ordem jurídica, eles estão sujeitos a um forte controle externo. Por exemplo, os juízes federais são indicados pelo Presidente da República e confirmados pelo Congresso. Uma vez empossados, são vitalícios. Os juízes federais que irão lidar com falências, questões tributárias e algumas cortes militares, com o intuito de administrar as leis criadas pelo Congresso, são indicados por ele e atuam por 10 anos, podendo ser reconduzidos.

    Já os juízes estaduais são selecionados de várias formas a depender de cada estado, podendo ser indicados pelo Governador ou pelo Legislativo Estadual, podem ser escolhidos por uma comissão legislativa, podem ser eleitos junto com as eleições partidárias e concorrem em uma chapa partidária, ou eleições não partidárias (cujo mandato pode variar entre 6 e 10 anos). Dessa forma, não causa tanto problema juízes criarem direitos uma vez que estão sujeitos ao controle, ora do poder político, ora do próprio eleitor.

    No Brasil, os juízes estaduais e federais de primeira instância são escolhidos via concursos públicos de provas e títulos, tornando-se vitalícios após 2 anos de estágio probatório e estão submetidos apenas ao controle interno de suas corregedorias. Já os tribunais regionais e estaduais são compostos em 80% de juízes e 20% (um quinto) de membros do Ministério Público (que ingressam no MP por concurso de provas e de títulos, com as mesmas regras de vitaliciedade dos juízes) e de Advogados escolhidos ou por seus pares diretamente ou pelos conselhos seccionais da OAB. Já o STJ (Superior Tribunal de Justiça), dos 33 magistrados, 11 são da judicatura federal, 11 da estadual e 11 dentre membros do MP e Advogados indicados pelo Conselho Federal da OAB. Entretanto, se considerarmos os advogados que ingressaram pelo quinto constitucional nos tribunais, o STJ não terá 22 magistrados de carreira (considerados aqui aqueles que ingressaram por concurso de provas e títulos). Ou seja, a lógica de escolha de juízes no Brasil é bem diferente da lógica norte-americana.

    Já o Supremo Tribunal Federal segue a lógica dos Estados Unidos, ou seja, copiamos o desenho madisoniano, onde o Presidente da República indica e o Senado Federal confirma. O mandato é até os 75 anos de idade. Insatisfeito em ter importado uma suprema corte de uma lógica de common law para funcionar em um sistema de civil law, o legislador constituinte de 1986 destinou quase 30% do texto constitucional para políticas públicas (como nos disseram os professores Rogério Arantes e Cláudio Couto) e colocou o STF para resolver impasses através da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, a ADO.

    Para muitos juristas, quando o STF inova na ordem jurídica, ele está legislando, invadindo competência do Congresso Nacional. É o que chamam de ativismo judicial. Para agravar a situação, o Código de Processo Civil ainda dotou os ministros do STF com dois mecanismos inexistentes na Suprema Corte dos Estados Unidos: Decisão monocrática e decisão liminar. Dessa forma, o STF pode não apenas inovar na ordem jurídica, mas de forma individual (monocraticamente) e precária (liminarmente). O ativismo judicial do STF, inovando na ordem jurídica é o que chamo de “estranho no ninho”. Mas para quem aceitou o impeachment, não pode reclamar do ativismo judicial. É que o impeachment brasileiro funciona como um voto de confiança, típico dos modelos parlamentaristas, mais um estranho para a conta.