Inclusão e diversidade no serviço público

    Lucas Ambrózio

    09 de abril de 2019 | 15h43                                                                                                                                                                                    

    As políticas afirmativas de reserva de vagas no serviço público para pessoas com deficiência e para pessoas negras são recentes no Brasil. Embora o debate seja muito mais antigo, foi somente nos anos 90 que se instituiu a política de cotas para pessoas com deficiência nas empresas (Lei 8.213/91). A partir deste marco, os governos seguiram tal caminho ao longo dos anos 90 e 2000 e regulamentaram suas políticas e ações para efetivar a reserva de 5% das vagas abertas no serviço público para pessoas com deficiência.

    A década de 2010, por sua vez, marcou a criação de leis nacionais, estaduais e municipais, reservando também cotas raciais para o ingresso no serviço público. Embora seja a maioria da população, pretos e pardos são minorias no serviço público. As cotas raciais foram instituídas primeiramente nos vestibulares das universidades públicas e em 2012 declaradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Tais ações deram lastro para que mais tarde diversas casas legislativas aprovassem leis de instituição da reserva de vagas em concursos públicos. Em 2013, o município de São Paulo instituiu cotas raciais no serviço público, por meio da Lei 15.939/2013; em 2014, foi a vez da União, por meio da Lei 12.990/2014.

    Cinco anos depois, é possível observar avanços em relação à entrada de pessoas negras no serviço público municipal da cidade de São Paulo, ainda este seja um processo longo e que só surte efeitos práticos com a abertura de novos concursos públicos. Os ingressos são ainda mais simbólicos e representativos nas carreiras com maiores remunerações, onde a presença desta parcela da população sempre foi baixíssima. Além da remuneração das carreiras ser uma variável importante de exclusão, há outros elementos que intensificam esse fenômeno, como o desafio por galgar postos de maior hierarquia e os desafios adicionais para as mulheres negras. Na tabela abaixo é apresentada a porcentagem de: mulheres pretas e pardas, mulheres e pessoas pretas e pardas na Administração Direta da Prefeitura Municipal de São Paulo, em um universo de mais de 120 mil servidores.

    Fonte: Sistema Integrado de Gestão de Pessoas e Competências, SIGPEC, meses de referência: dezembro.

    Em todas as carreiras que tiveram concursos após a vigência da lei de cotas raciais, a participação melhorou significativamente. Sendo as políticas afirmativas tão recentes e as temáticas de exclusão relativamente ausentes da formação intelectual dos brasileiros, é comum o levantamento de uma série de questionamentos e preconceitos. Estes, sintetizados pela seguinte pergunta: as pessoas que ingressam por meio da reserva de vagas têm competência? Felizmente já existe uma infinidade de estudos no Brasil e no exterior que permitem responder a esta pergunta de diversas formas. Duas delas são: a do desempenho individual da pessoa cotista e a análise do que esta pessoa contribui para os serviços públicos ofertados aos cidadãos por intermédio dela.

    Há diversos estudos que analisaram o desempenho escolar dos estudantes cotistas nas universidades brasileiras. Eles mostram que apesar destes partirem de um patamar inferior de desempenho acadêmico, ao longo de sua trajetória na universidade, em uma instituição que dê aos seus alunos razoáveis condições de aprendizado e permanência, estes desenvolvem curva de aprendizagem superior, e quando estão finalizando o curso já apresentam desempenho até superior aos demais.

    O segundo aspecto, e que faz ainda mais diferença na discussão sobre cotas em concursos públicos, parte da constatação de que quanto mais representativo o serviço público for, melhores serão os serviços ofertados pelos seus profissionais. Há uma gama de estudos na literatura nacional e internacional sobre políticas públicas relacionados a representatividade da burocracia e seu efeito sobre as políticas públicas. Estes estudos mostram que as trajetórias, perfis e visões de mundo dos agentes públicos determinam parte significativa das políticas públicas implementadas por eles.

    Ainda que se tenha legislações e protocolos rígidos, sempre haverá algum espaço de discricionariedade para atuação do agente, que muitas vezes analisa, julga e toma decisões. Há pesquisas apontando que falta de representatividade no serviço público provoca ações e decisões menos justas do poder público (como estudos que analisam o comportamento de juízes e policiais), por outro lado há os que mostram que representatividade e reciprocidade entre agente público e cidadão produz melhores serviços na área de saúde, educação, assistência social, etc.

    Este debate seguirá ativo na sociedade brasileira e, consequentemente, nos parlamentos. Este é um processo de construção de direitos, mas que a todo momento é questionado. O debate à luz de evidências científicas é crucial, assim como a participação social e o empoderamento de grupos sub-representados. Há também outras importantes discussões em curso e políticas paralelas às debatidas aqui, que buscam promover a construção de ambientes de trabalho saudáveis e inclusivos, no sentido mais amplo de diversidade: funcional, étnica, racial, de gênero, sexual, religiosa, etc. Na discussão sobre reservas de vagas no mercado de trabalho público e privado, é importante que sigamos avançando e ampliando o acesso e o ingresso, mas entendo ser estas condições necessárias, porém insuficientes para promover os efeitos transformadores da diversidade. Há, pois, um longo caminho para a sociedade, em especial para o parlamento.

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