A interação entre os membros da Lava Jato: limites entre o informal e o ilegal

    Lucas Ambrózio

    26 de junho de 2019 | 09h44

    Na última quarta-feira, o ex-juiz Sérgio Moro esteve em audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal para responder sobre as recentes divulgações de mensagens suas com o procurador chefe da operação Lava Jato, Deltan Dallagnol. A denúncia realizada pelo site The Intercept Brasil consiste no argumento de que o então juiz teria quebrado os quesitos de imparcialidade e orientado informalmente parte dos trabalhos do corpo acusatório da força tarefa, em especial no caso do julgamento do ex-presidente Lula. Parte da estratégia de defesa de Moro frente às denúncias centraram-se na naturalização de certos tipos de informalidades e conversas entre ele e Deltan. Cabe, aqui, a reflexão sobre a interação informal entre burocratas e seu impacto sobre a ação estatal.

    Este é um tema clássico nos estudos das ciências sociais sobre a atuação das burocracias. Historicamente abordado majoritariamente sob viés normativo negativo, as análises demonstravam o quão reativa a burocracia poderia ser a diversas prioridades ou mesmo quão corporativa poderia ser na defesa de seus próprios interesses, por vezes contrários aos da sociedade. Entretanto, ao longo do século passado diversos estudos também apontaram que a interação informal entre as burocracias também poderia ser uma chave importante para explicar ações governamentais exitosas e mais adaptadas aos distintos desafios de implementação e de inovação. Aspectos como: defesa de causas (ativismo), redes de interação e habilidades relacionais passaram a ser analisados e entendidos como elementos de potência da ação estatal, seja para gerar ou bloquear resultados formalmente desejados.

    O que o vazamento das conversas e outras análises revelam é que os burocratas a frente da Lava Jato (membros do Ministério Público Federal e da Justiça Federal) possuíam e construíram diversas destas variáveis informais de potência. Ambos apresentavam alto engajamento na defesa de um interesse comum: o enfrentamento a grupos políticos envolvidos em esquemas de corrupção, grande endogenia e coesão de suas redes pessoais e profissionais[1] (por isso, sempre lutavam para manter os casos em Curitiba) e altas habilidades relacionais seja para se comunicarem entre si, ou mesmo para interagirem com parceiros definidos como estratégicos ou simplesmente não melindrar atores cujo apoio seria importante (nos dizeres da própria mensagem atribuída a Sérgio Moro). Tais aspectos, atualmente revelados, são cruciais para entender parte dos componentes internos à operação Lava Jato e que explicam sua enorme rapidez, profundidade e extensão.

    Fosse esta rede de interação restrita aos membros do Ministério Público poderia se ter um interessante caso de informalidades produzindo resultados desejados, porém a participação de membros da Justiça Federal, como o ex-juiz Sérgio Moro podem colocar em xeque este arrojo. No Estado Democrático de Direito, todo réu deve ser julgado por juízes e desembargadores imparciais e estreitos aos argumentos apresentados nos autos do processo. Ou seja, a alta capacidade de interação entre os burocratas que explica parte dos expressivos resultados alcançados pela Lava Jato agora pode ser o seu grande elemento de degeneração. Este tema deverá seguir efervescente no debate público e no Congresso Nacional e será julgado pelo STF nos próximos meses.

    [1] Estudo coordenado pelo professor Ricardo Costa de Oliveira da Universidade Federal do Paraná. Fonte: OLIVEIRA, RICARDO COSTA DE. Integrantes da Lava Jato vivem na ‘mesma bolha’. A Pública, Curitiba, 09 maio 2018.