Os cem dias do governo Bolsonaro

Lara Mesquita

02 de abril de 2019 | 17h16                                                                                                                                                                                      

Neste 1º de abril, o presidente Jair Bolsonaro completou 3 meses inteiros à frente do governo federal e na próxima semana bate a marca dos primeiros 100 dias.

Normalmente, quando se inicia um novo governo se diz que há um período de lua-de-mel. Esse período geralmente tem em torno de seis meses. Assim, nesta semana chegamos à metade da lua-de-mel do governo Bolsonaro. Se comparado com o período inicial de outros governos, essa parece ser a lua de mel mais conturbada da nova república brasileira (excluídos os mandatos de reeleição).

A relação com o Congresso, especialmente com a Câmara dos Deputados, ainda não encontrou um ponto de equilíbrio, e o Parlamento já mandou dois recados ao presidente. O primeiro ainda em 19 de fevereiro, menos de um mês depois da posse dos novos deputados, ao derrubar o decreto que ampliava o escopo de funcionários aptos a impor sigilo a documentos públicos.

O segundo aconteceu na semana passada, quando a Câmara aprovou, em duas votações, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que torna impositiva a execução orçamentária das emendas de bancada[1]. Isso tudo em contexto que o governo enfrenta grande dificuldade para iniciar a tramitação da PEC que trata da Reforma da Previdência. A proposta chegou à Comissão de Constituição e Justiça – primeiro destino de todas as propostas que visam a alterar a constituição – em 22 de fevereiro, mas apenas em 28 de março foi nomeado um relator. Vale lembrar que o governo editou algumas Medidas Provisórias, como a que reestruturou o quadro ministerial e que está prestes a vencer e depende de aprovação do Legislativo para ser efetivada.

A essas dificuldades se soma uma insatisfação de parte da sociedade e mesmo de políticos aliados com a falta de apresentação de planejamento para as áreas específicas do governo. Desde a posse a aprovação do governo já caiu 15 pontos e é menor que a aprovação, no mesmo período, dos governos FHC, Lula e Dilma.

Partidos e parlamentares ansiosos por apoiar o governo se perguntam aonde esse governo pretende chegar, e quais são as medidas positivas que, uma vez aprovada a impopular reforma da previdência, serão implementadas e podem mitigar o efeito negativo desta. Quais são as medidas para diminuir o contingente de 13,1 milhões de trabalhadores desocupados, divulgado pelo IBGE[2]? Qual a meta do governo para a educação, como pretende melhorar os indicadores de alfabetização e diminuir a evasão no ensino médio? Qual sua posição em relação ao FUNDEB?

É difícil ser muito otimista em relação aos rumos do país nos próximos 100 dias tendo em vista o cenário atual: 1) a pouca disposição do governo em compartilhar a definição da agenda com outros partidos e atores políticos; 2) a dificuldade de estabelecer em que termos se dará a composição da base de apoio no Legislativo; 3) e exposição pública constante dos conflitos internos entre os diferentes grupos que apoiam o governo e passam para a sociedade a imagem de um governo desorganizado, e 4) por fim, a estratégia do presidente de assumir uma posição de confronto e constante tom polêmico, que gera uma grande sensação de estresse e ansiedade na sociedade acerca dos rumos do país.

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Não posso deixar de mencionar um fato trágico para a história brasileira, que completou 55 anos nesse primeiro de abril: o golpe militar que depôs o presidente João Goulart, fechou o Congresso e pôs fim à experiência democrática iniciada em 1946. Depois da suspensão da ordem democrática, foi apenas em 1989 que os brasileiros puderam escolher pelo voto direto seu Presidente da República. É uma data para se lamentar e não esquecer as atrocidades do período, que cassou direitos políticos, exilou, prendeu, torturou e matou opositores políticos; praticou a censura prévia e tornou ilegais os partidos políticos então existentes.

Para quem tem dúvidas sobre como classificar o regime político vivido entre 1964 e 1985, sugiro a leitura da obra Poliarquia: Participação e Oposição, de Robert Dahl. É um clássico no que diz respeito aos estudos sobe democracia e propõe critérios objetivos para classificar regimes políticos. Se a oposição não pode se organizar livremente, não pode se manifestar publicamente contra o governo sem sofrer represálias, se não há acesso a fontes de informação alternativas aquelas controladas pelo governo (ou se essas são tuteladas e sofrem censura prévia do estado), se o direito de voto não é amplamente garantido, assim como se não é respeitado o direito de os líderes políticos disputarem livremente o voto, não podemos falar em democracia.